FONTE :REVISTA EPOCA

Há uma década, a capital paulista parou diante de ataques orquestrados pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC. Seus integrantes se rebelaram em presídios, incendiaram ônibus e alvejaram delegacias. Diante de um toque de recolher, São Paulo esvaziou. A ação cinematográfica ocorrera como resposta à decisão policial de transferir os líderes da facção para um presídio de segurança máxima em Presidente Venceslau, no interior do estado.Dez anos mais tarde, a organização criminosa ganhou força e expandiu. Passou de um faturamento estimado em R$ 10 milhões para uma receita anual entre R$ 100 e R$ 200 milhões. Dominou outros Estados brasileiros e se internacionalizou, hoje com presença na Bolívia, Paraguai, Colômbia, Peru e Argentina. “Classifico o PCC como uma organização pré-mafiosa”, afirma o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO) de Presidente Prudente. “A única distinção entre ele e uma organização como a Ndrangheta (a máfia da região italiana da Calábria) é que o PCC não consegue lavar dinheiro, não há o branqueamento de capitais.”
Gakiya é um dos maiores especialistas em PCC do Brasil. Foi ele quem apresentou à Justiça, em 2013, a mais robusta denúncia à facção já feita no país. Os três anos e meio de investigação resultaram num calhamaço de quase 60 mil páginas de processo cautelar, numa peça de denúncia de 876 páginas, em 175 pedidos de prisão e 35 encaminhamentos ao RDD, um regime especial de detenção com mais restrições e maior isolamento. “Teria sido o maior golpe ao crime organizado da história do Brasil”, afirma. Não foi. A Justiça, sob o argumento de que já havia passado tempo demais do começo da investigação, indeferiu os pedidos do Ministério Público. Gakiya recorreu, ganhou a transferência de 17 presos para o RDD e até hoje aguarda o julgamento das prisões. Na avaliação dele, mesmo mais sofisticada e potente a facção não repetirá as ações de 2006. “O PCC sabe que perdeu mais do que ganhou naquela ocasião, em especial em relação ao apoio popular”, diz. “Hoje as forças de segurança também têm um controle razoável das ações da facção”.
ÉPOCA – Com base dos depoimentos colhidos nas investigações, é possível saber como o PCC avaliou os ataques de 2006?
Gakiya – Aquela foi uma ação impulsiva. A ordem era para atacar, matar policial, juiz, o que encontrar pela frente. Em paralelo, o PCC fez rebeliões simultâneas em quase todos os presídios. E aí teve um saldo disso. Poderia ter dado certo ou não. Em algum momento, seus integrantes acharam que iriam mostrar poder e ficar bem mais valorizados. Não foi o que aconteceu. Foi o inverso. Eles perderam mais que ganharam. Perderam muita gente, dinheiro, quase todo o armamento que tinham.
ÉPOCA – Com base dos depoimentos colhidos nas investigações, é possível saber como o PCC avaliou os ataques de 2006?
Gakiya – Aquela foi uma ação impulsiva. A ordem era para atacar, matar policial, juiz, o que encontrar pela frente. Em paralelo, o PCC fez rebeliões simultâneas em quase todos os presídios. E aí teve um saldo disso. Poderia ter dado certo ou não. Em algum momento, seus integrantes acharam que iriam mostrar poder e ficar bem mais valorizados. Não foi o que aconteceu. Foi o inverso. Eles perderam mais que ganharam. Perderam muita gente, dinheiro, quase todo o armamento que tinham.
ÉPOCA - Dá para saber quanto perderam em dinheiro e armamento?
Gakiya – Eles perderam não apenas dinheiro ou armamento, mas principalmente apoio popular. A verdade é que nunca tiveram, mas a partir de 2006 a população passou a ter verdadeira objeção ao PCC. Todo mundo entendeu que se tratavam de bandidos que mataram bombeiros, pessoas inocentes. Ou seja, não tinham nada a ver com um movimento para falar de opressão a presos no estado.
ÉPOCA – O que mudou a partir do momento em que o PCC percebeu que perdeu em 2006?
Gakiya – O PCC ficou mais sofisticado. Ganhou presença em outros estados e se internacionalizou. Uma mudança forte foi a forma de comunicação. As informações passaram a ser compartimentadas. Agora cada um sabe o que precisa saber, ninguém da rua tem contato com a liderança do PCC, para não expor esse líder. Antes, a comunicação era mais rústica. Um exemplo: uma ordem para matar o juiz de Presidente Prudente saiu por carta escrita, muita gente teve acesso. Isso marcou diretamente o Marcola e o Carambola, tanto que foram condenados no júri. A organização também ficou mais estratificada. É difícil associar um crime ao Marcola hoje. Alguém mandou matar, mas há vários setores que se comunicam até a ordem ser cumprida. É uma estrutura piramidal, um organograma. Um setor se comunica com outro até chegar ao conselho deliberativo e ao líder. É um processo demorado.
ÉPOCA – Mais alguma mudança?
Gakiya - A arrecadação do PCC em 2006 era em torno de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões por ano. Hoje falamos em algo entre R$ 100 e R$ 200 milhões. Mudou muito. Virou uma empresa. Nas minhas apresentações, classifico o PCC como uma organização pré-mafiosa. A única distinção entre o PCC e uma organização criminosa como a Ndrangheta é que o primeiro não consegue de maneira adequada lavar dinheiro, não tem o branqueamento de capitais. O PCC já está mandando droga para a Europa. Mas não consegue fazer transformar o dinheiro sujo em limpo por meio de empresas, como os cartéis mexicanos ou a máfia italiana.
ÉPOCA – Por quê?
Gakiya – Creio que por falta de conhecimento, às vezes de oportunidade. Nesse sentido, o PCC ainda é meio arcaico, enterra dinheiro... Os imóveis que eles têm são coisas que eles vão tomando, pegando em dívidas. Eles não têm essa percepção financeira mais sofisticada. Pelo menos não por enquanto. Agora, com esse pessoal da Lava Jato dividindo cela, está perigoso (risos).
Gakiya – Eles perderam não apenas dinheiro ou armamento, mas principalmente apoio popular. A verdade é que nunca tiveram, mas a partir de 2006 a população passou a ter verdadeira objeção ao PCC. Todo mundo entendeu que se tratavam de bandidos que mataram bombeiros, pessoas inocentes. Ou seja, não tinham nada a ver com um movimento para falar de opressão a presos no estado.
ÉPOCA – O que mudou a partir do momento em que o PCC percebeu que perdeu em 2006?
Gakiya – O PCC ficou mais sofisticado. Ganhou presença em outros estados e se internacionalizou. Uma mudança forte foi a forma de comunicação. As informações passaram a ser compartimentadas. Agora cada um sabe o que precisa saber, ninguém da rua tem contato com a liderança do PCC, para não expor esse líder. Antes, a comunicação era mais rústica. Um exemplo: uma ordem para matar o juiz de Presidente Prudente saiu por carta escrita, muita gente teve acesso. Isso marcou diretamente o Marcola e o Carambola, tanto que foram condenados no júri. A organização também ficou mais estratificada. É difícil associar um crime ao Marcola hoje. Alguém mandou matar, mas há vários setores que se comunicam até a ordem ser cumprida. É uma estrutura piramidal, um organograma. Um setor se comunica com outro até chegar ao conselho deliberativo e ao líder. É um processo demorado.
ÉPOCA – Mais alguma mudança?
Gakiya - A arrecadação do PCC em 2006 era em torno de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões por ano. Hoje falamos em algo entre R$ 100 e R$ 200 milhões. Mudou muito. Virou uma empresa. Nas minhas apresentações, classifico o PCC como uma organização pré-mafiosa. A única distinção entre o PCC e uma organização criminosa como a Ndrangheta é que o primeiro não consegue de maneira adequada lavar dinheiro, não tem o branqueamento de capitais. O PCC já está mandando droga para a Europa. Mas não consegue fazer transformar o dinheiro sujo em limpo por meio de empresas, como os cartéis mexicanos ou a máfia italiana.
ÉPOCA – Por quê?
Gakiya – Creio que por falta de conhecimento, às vezes de oportunidade. Nesse sentido, o PCC ainda é meio arcaico, enterra dinheiro... Os imóveis que eles têm são coisas que eles vão tomando, pegando em dívidas. Eles não têm essa percepção financeira mais sofisticada. Pelo menos não por enquanto. Agora, com esse pessoal da Lava Jato dividindo cela, está perigoso (risos).
ÉPOCA – Um ataque como o 2006 pode acontecer de novo?
Gakiya – Não. O Ministério Público, a Polícia Federal, a Polícia Civil – essa rede de instituições presentes em cada lugar do Brasil – estão neste momento investigando a atuação do PCC. Quando nós fizemos a denúncia, em 2013, tomamos todas as cautelas para não se repetir o ocorrido de 2006. A gente tinha mapeado quem era o pessoal da rua, quem poderia receber e efetuar alguma ordem... Em 2006, não tinha nada isso. Como foi feito? Um agitamento. Cada um pegou vinte presos e mandou tudo para a P2 (penitenciária 2) de Venceslau. Hoje, temos um controle razoável das ações. Claro que não dá para evitar tudo, mas algo parecido com 2006 não voltará a ocorrer.
ÉPOCA – O fato de a Justiça não ter acatado a denúncia do Ministério Público em 2013 enfraquece seu trabalho?
Gakiya – Se a Justiça tivesse acatado, seria o maior golpe nesta facção criminosa...
ÉPOCA – Como o senhor acha que estará o PCC daqui dez anos?
Gakiya – O PCC tem uma situação estável, não está passando por disputa interna de poder. Diferentemente do que ocorre com o Comando Vermelho, por exemplo. O que podemos fazer daqui para frente? Ações mais coordenadas entre as diversas polícias e o Ministério Público para combater. Se não conseguirmos isolar as lideranças por mais tempo, vamos continuar dando murro em ponta de faca.
ÉPOCA – Como fazer isso?
Gakiya – Isso depende de modificação legislativa. Precisamos aumentar o prazo de RDD. O prazo máximo de RDD hoje é um ano. Veja o exemplo do Marcola. Pedimos o RDD dele no final de 2013. Em 2014, ele tentou uma fuga cinematográfica. Só não concluiu porque descobrimos isso em curso. O Marcola ficou por 60 dias no RDD, porque o Tribunal achou que não deveria ficar durante um ano. O Marcola parou? Não. Na Itália, existe o cárcere duro. Líderes de máfia ficam absolutamente incomunicáveis. Não estou nem pregando isso. Estou pregando que a gente possa pegar esses integrantes de organização criminosa e mandar para o RDD. O ideal é que eles, pelo menos, não tenham visita íntima. Que tenham visitas de fim de semana separado por um vidro, como nos filmes. Essas medidas dificultariam muito que eles passassem ordens para a base.
ÉPOCA – Quanto tempo de isolamento o senhor acha suficiente?
Gakiya – Deveria ser, no mínimo, por dois anos. Se não for suficiente, dobra. Como é hoje, o máximo de um ano, é muito pouco. O único problema é o tempo, porque o regime do RDD em si já é adequado. Estabelece um detento por cela, que fica preso por 23 horas por dia, com uma hora de banho de Sol, e sozinho. Sem acesso à televisão, jornais, rádio... Não permite toque físico – não pode nem tocar a mão da esposa. A visita é semanal, mas não há visita íntima. O problema é que eu não consigo colocar ninguém lá. Temos 160 vagas no RDD hoje, e só 40 presos.
ÉPOCA – Tem algum projeto de lei no Congresso para mudar a legislação de RDD?
Gakiya – Estive na CPI carcerária, em Brasília, para propor uma alteração na lei. Parece que há um projeto, acho que do deputado Major Olimpio (SD-SP).
ÉPOCA – Acabar com o PCC é algo possível?
Gakiya – Acabar acho difícil. Nenhuma máfia acabou. Não pode é deixar crescer mais. Se conseguíssemos a internação dos presos no RDD, poderíamos isolar todo o primeiro escalão. Sem contato um com outro, espalhados por vários presídios. O que vai acontecer? Alguém vai querer tomar o poder, certo? Isso gera uma instabilidade na organização e facilita que a gente consiga investigar, prender... No mínimo, enfraquece a atuação. Não há mal que dure para sempre.
ÉPOCA – O fato de a Justiça não ter acatado a denúncia do Ministério Público em 2013 enfraquece seu trabalho?
Gakiya – Se a Justiça tivesse acatado, seria o maior golpe nesta facção criminosa...
ÉPOCA – Como o senhor acha que estará o PCC daqui dez anos?
Gakiya – O PCC tem uma situação estável, não está passando por disputa interna de poder. Diferentemente do que ocorre com o Comando Vermelho, por exemplo. O que podemos fazer daqui para frente? Ações mais coordenadas entre as diversas polícias e o Ministério Público para combater. Se não conseguirmos isolar as lideranças por mais tempo, vamos continuar dando murro em ponta de faca.
ÉPOCA – Como fazer isso?
Gakiya – Isso depende de modificação legislativa. Precisamos aumentar o prazo de RDD. O prazo máximo de RDD hoje é um ano. Veja o exemplo do Marcola. Pedimos o RDD dele no final de 2013. Em 2014, ele tentou uma fuga cinematográfica. Só não concluiu porque descobrimos isso em curso. O Marcola ficou por 60 dias no RDD, porque o Tribunal achou que não deveria ficar durante um ano. O Marcola parou? Não. Na Itália, existe o cárcere duro. Líderes de máfia ficam absolutamente incomunicáveis. Não estou nem pregando isso. Estou pregando que a gente possa pegar esses integrantes de organização criminosa e mandar para o RDD. O ideal é que eles, pelo menos, não tenham visita íntima. Que tenham visitas de fim de semana separado por um vidro, como nos filmes. Essas medidas dificultariam muito que eles passassem ordens para a base.
ÉPOCA – Quanto tempo de isolamento o senhor acha suficiente?
Gakiya – Deveria ser, no mínimo, por dois anos. Se não for suficiente, dobra. Como é hoje, o máximo de um ano, é muito pouco. O único problema é o tempo, porque o regime do RDD em si já é adequado. Estabelece um detento por cela, que fica preso por 23 horas por dia, com uma hora de banho de Sol, e sozinho. Sem acesso à televisão, jornais, rádio... Não permite toque físico – não pode nem tocar a mão da esposa. A visita é semanal, mas não há visita íntima. O problema é que eu não consigo colocar ninguém lá. Temos 160 vagas no RDD hoje, e só 40 presos.
ÉPOCA – Tem algum projeto de lei no Congresso para mudar a legislação de RDD?
Gakiya – Estive na CPI carcerária, em Brasília, para propor uma alteração na lei. Parece que há um projeto, acho que do deputado Major Olimpio (SD-SP).
ÉPOCA – Acabar com o PCC é algo possível?
Gakiya – Acabar acho difícil. Nenhuma máfia acabou. Não pode é deixar crescer mais. Se conseguíssemos a internação dos presos no RDD, poderíamos isolar todo o primeiro escalão. Sem contato um com outro, espalhados por vários presídios. O que vai acontecer? Alguém vai querer tomar o poder, certo? Isso gera uma instabilidade na organização e facilita que a gente consiga investigar, prender... No mínimo, enfraquece a atuação. Não há mal que dure para sempre.
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